APRESENTANDO Selvagem
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APRESENTANDO Selvagem

January 12


Na contagem regressiva pro Dekmatel Festival São Paulo 2018, conversaremos com alguns dos artistas no line-up. Hoje o papo foi com a dupla mais querida de colecionadores de ritmos brasileiros: Selvagem.

Vocês podem se apresentar rapidinho e contar como se conheceram?
Millos: Eu sou o Millos, 31 anos, nascido e criado em Niterói. Me mudei pra São Paulo uns 8 anos atrás para trabalhar como jornalista de uma revista de estilo de vida que curtia.

Augusto e eu nos conhecemos 6 anos atrás, através de um amigo em comum, também DJ. Ele convidou alguns amigos pra tocar na sua casa uma noite. Eu fiquei embasbacado com a seleção do Augusto. Primeiro porque as tracks eram foda e segundo porque ele foi o primeiro cara que conheci na cidade que tinha um gosto parecido com o meu. Acho que não demorou nem um mês e já estávamos tocando back-to-back nas festas. 3 meses depois já estávamos fazendo nossa primeira Selvagem numa praça no centro de São Paulo.

Augusto: Sou o Trepanado, nasci no interior, 36 anos atrás e de lá saí, devido ao tédio, para me juntar a uma expedição arqueológica rumo ao Perú, para investigar crânios perfurados misteriosos. Foi assim que descobri uma tribo que ainda realizava esse ritual antigo, conhecido como trepanação no ocidente. Perfurei meu crânio, pois acreditava piamente nos estados elevados de consciência prometidos em tais rituais. Depois dessa experiência que mudou a minha vida, me mudei pra São Paulo pra implementar essa ideia de perfurar crânios, só que através da música – coisa que venho fazendo já faz 15 anos.

Vocês já curtiam música eletrônica aos 14 e 20 anos. Porque (e como) entraram nessa?
Millos: Eu lembro de curtir sons eletrônicos desde criança – meu Pai tocava bastante Madona e New Order em casa. Mas, na adolescência eu gostava mesmo era de Punk, Hardcore e acabei esquecendo e até meio que rejeitando a música feita com sintetizadores e drum machines. Aí, com uns 20 anos, fui fazer um mochilão pela Europa com um amigo e acabei no Benicassim, um festival em Valencia. Acabei ficando muito mais tempo no palco eletrônico do que em qualquer outro com bandas. Voltei pra casa e comecei minhas ‘aulas’ de dance music, saindo todo final de semana, lendo a respeito da sua história, comprando discos – basicamente correndo atrás do tempo perdido.

Augusto: A estética da música eletrônica fazia parte do pacote que me foi vendido desde criança: Michael Jackson, A-Ha, Information Society, as trilhas do Beverly Hills Cop e do Robocop etc. Quando eu tinha uns 12 anos, um amigo meu comprou um vídeo mixer que usamos pra criar nossos primeiros blends- e foi nessa época o meu primeiro contato com a cultura “DJ”. É claro que rolava umas mixagens de hits super manjados, especialmente de Euro-House, na linha do Masterboy, Corona, Ice MC e Gala, mas também misturávamos um pouco de Robin S, Crystal Waters e até aquele remix de “Space Cowboy” do Jamiroquai que o David Morales fez. Logo depois saiu o “Homework” do Daft Punk e devido a tamanha obsessão pelo disco, acabamos descobrindo o House, Techno e Jungle. Fomos atrás dos alicerces da música eletrônica, começando com Kraftwerk (que pude assistir ao vivo na turnê que fizeram em 1998) e uma coisa levou à outra. Eu sou de uma geração que cresceu com ciborgues então tudo isso combina com meu amor sintético.

Em uma das suas primeiras entrevistas, você comentou que fez parte do movimento dos “bloquinhos” no Rio de Janeiro e São Paulo. Fale um pouco sobre isso.
Millos: Uma das primeiras gigs onde tocamos juntos foi a Voodoohop, um coletivo de festas comandado por um DJ alemão, o Thomash, que morava no brasil e meio que começou o movimento todo dos bloquinhos em São Paulo. Não sei porque, talvez pela falta de espaços públicos em São Paulo, mas os produtores e DJs locais não tinham considerado as ruas como um lugar viável para festas. O Thomash e seus amigos mudaram isso, espalhando bloquinhos pela cidade toda. Não demorou muito pra aparecer outros coletivos fazendo o mesmo. Um dos lugares que a Voodoohop fazia festa era o Paribar, que tem um terraço de frente pra praça – praticamente uma pista de dança pronta. Um dia o Thomash perguntou se tínhamos interesse em tomar conta do espaço, já que eles estavam super ocupados fazendo festas em vários outros cantos da cidade. Experimentamos e cerca de 200 pessoas vieram. Um ano depois, depois de fazer festas ali todo mês, o público já era de 2000.

Augusto: Tem uma nova remessa de grupos invadindo as ruas de São Paulo e do Rio, e isso é bom - mas, ficou mais difícil continuarmos fazendo os bloquinhos. Como o interesse foi aumentando, ficou cada vez mais complicado produzirmos uma festa do jeito que queríamos – digo, com banheiros e bares suficientes e um sistema de som bom. Algumas pessoas seguem adiante até que aconteça algo de errado (tipo, polícia batendo ou alguém sendo esfaqueado), mas não somos desse tipo. Foram dias gloriosos de noites especiais com pessoas incríveis e música boa, mas sabíamos que um dia aquilo chegaria ao fim. E, antes que esse dia se apresentasse, seguimos adiante.

O Selvagem, também anda organizando festas no Rio de Janeiro. Como é que essas festas começaram?
Millos: Como mencionei, eu nasci perto do rio de janeiro e morei ali até os 23 anos de idade. Já discotecava e produzia festas nos últimos 4 anos em que vivi ali, então depois que começamos a fazer a Selvagem em São Paulo, foi um passo natural estendermos para o Rio. Com meus melhores amigos ajudando do lado de lá, conseguimos lançar a festa no Rio com sucesso. Eles ainda produzem nossas festas – agora em ambas as cidades.

Augusto: Há três anos fazemos festa no Rio – até o final do ano passado era uma residência mensal, mas desde que a crise começou a pegar pesado, decidimos dar um passo pra trás e escolher com muito cuidado as festas que levaríamos pra lá. Não me lembro de nenhum outro coletivo com festas bem-sucedidas em ambas as cidades, então eu fico super feliz de termos conseguido. As festas mais recentes que fizemos por lá foram ótimas – nos juntamos com os Holandeses – o Antal tocou em uma das nossas festas, depois o Tako o Jamie Tiller (Music from Memory) e o Orpheu (Red Light Radio) na outra.

A cena eletrônica mudou bastante no brasil e vem crescendo consideravelmente de alguns anos pra cá. Essas mudanças são óbvias pra você? Alguma que possa mencionar?
Millos: A cena tem crescido no mundo inteiro e no brasil não foi diferente. Temos cada vez mais artistas brasileiros tocando lá fora. Uma das coisas que eu acredito que mudou bastante é que agora alguns deles tocam músicas e sons brasileiros nos seus sets e produções, dando aquela pitadinha local ao seu trabalho. Outra coisa que percebo também é que o público europeu parece estar um pouco mais receptivo musicalmente do que era alguns anos atrás.

Augusto: Tem uma nova geração que se identifica com a cena atual, mais rebelde, e isso é importante – no passado a identificação rolava com outro estilo de música (tipo, EMO). Isso mostra que a música e as festas podem estabelecer um relacionamento com eles e num futuro próximo, podem ser cada vez mais experimentais. Eu não acho que se trata mais de uma tendência, já se estabeleceu.
 

Você é bem conhecido por incluir bastante música brasileira nos seus sets – coisa que reflete, e muito bem, as suas raízes. Quais os lugares que você recomendaria para comprar discos no brasil?
Millos: O Rio e São Paulo têm lojas de discos incríveis onde você consegue encontrar praticamente todos os cálices sagrados que você procura – se tiver o dinheiro pra pagar, é claro. Mas se você estiver atrás das pérolas que ninguém conhece, a melhor dica – e a mais amigável para o seu bolso – é entrar nos sebos, procurar nos mercados e ambulantes de rua, e nesses sebos que vendem livros e discos no mesmo lugar. Escute tudo que você nunca escutou ou ouviu falar antes e que de alguma forma chame sua atenção. É cansativo, mas pode ser muito recompensador.

Augusto: Outra dica importante é não falar pro vendedor quais os discos que você procura e nem demonstrar muito entusiasmo em relação a um disco- se não eles metem a faca.

Você tocou no Dekmantel Festival São Paulo do ano passado e também no Dekmantel Festival en Amsterdã pela primeira vez no ano passado. Como foram essas experiências?
Millos: Ambas memoráveis! E eu estava bastante nervoso também, especialmente em Amsterdam com as câmeras da Boiler Room. Mas deu tudo certo no final. O Dekmantel é um dos únicos festivais que realmente investe em DJs que buscam oferecer algo de diferente nas pistas de dança – os colecionadores, garimpeiros, ou seja lá qual for o nome da vez. Então, nos sentimos muito confortáveis e felizes em não ter que tocar várias tracks de House seguidas ou de ter que escolher as mais óbvias.

Augusto: Ambos foram incríveis – jamais imaginaria, a dois anos atrás, que estaria tocando no Dekmantel e acabou acontecendo duas vezes. É demais ter este festival em São Paulo - tem tudo a ver com a cidade - e demais podermos participar. Uma coisa que senti é que a competição é acirrada, não da pra brincar ali não, o buraco é mais em baixo. Eu também me senti meio abandonado sem um agente ali no backstage – a presença do agente no backstage do Dekmantel é tão forte que fiquei até meio sem graça sem um pra chamar de meu.
 

O que vem por aí em 2018? Tem alguma coisa em especial que aguardam ansiosamente?
Millos: Provavelmente faremos outra tour Selvagem pela Europa. Temos também 5 releases no forno saindo pela Selva Discos, nosso selo que foi lançado no ano passado com a reedição do álbum da Maria Rita Stumpf. Eu estou preparando uma compilação de música sintética brasileira dos anos 80 e 90 que espero lançar ainda no primeiro semestre pela Soundway Records.  Além disso, não vejo a hora de passar várias horas em biboquinhas sujas e mofadas procurando por discos que as pessoas ainda não conhecem, - uma das coisas que eu mais gosto de fazer na vida, então posso dizer que estou bem feliz.

Augusto: Selva Discos é o nosso foco principal no momento em relação à música. Estou fazendo uma compilação para a Music For Dreams além de algumas outras coisas (alguns edits e produções originais com alguns amigos), sem frescuras.